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Há dois anos, Otávio Roth, 28 anos, o Rauschemberg brasileiro, passava as longas noites de inverno norueguês pesquisando uma nova linguagem gráfica, a partir dos geniais traços de Ben Shan, o mestre da gravura, e de seu professor Paul Pitch. Quando retornou ao Brasil, em 79, o País se encontrava em plena ebulição política e Roth, mais uma vez, influenciado por Pitch – considerado um dos expoentes do political graphis – iniciou um trabalho de fôlego para o Comitê Brasileiro de Anistia, um calendário nada convencional, em xilogravura, que reunia pensamentos esparsos de Rabindranath Tagore, Pedro Tierra, Charles Chaplin, Che Guevara, Carlos Marighela e até Santo Agostinho.

Além do calendário, o artista gráfico idealizou magníficos posters de temas implicitamente políticos, entre eles o famoso “Liberdade para os Presos Políticos”, ou o que fez para a campanha de libertação de Flávia Schilling. Um ano antes do calendário do CBA, porém, Roth, incansável ativista da Anistia Internacional, lançou o seu mais ambicioso projeto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, justamente no dia 10 de dezembro, quando se comemora a data desses decantados, mas raramente respeitados, direitos.

Foi na Suécia, em 78, quando Beguin recebeu o prêmio Nobel da Paz. Roth lembra que a exposição que acontecia simultaneamente e no mesmo local onde Beguin receberia o prêmio, que dividiu com Sadat. Sadat nem se deu ao trabalho de ir, mas Beguin estava lá, firme como uma rocha, à espera do beija-mão. Acontece que a comunidade internacional não estava nada satisfeita com a premiação e, em sinal de protesto, o Nobel da Paz de 8 ficou esperando inutilmente, com a mão estendida, enquanto a exposição de Roth foi concorridíssima.

No início desse ano, a exposição atravessou o Atlântico e foi parar na hiperbadalada galeria criada pelo artista pop Rauschemberg em Nova York, a Automation House. Um dos visitantes, Jay Long, assessor do secretário-geral da Comissão de Direitos Humanos da ONU, ficou impressionado com o trabalho de Roth e convidou o artista para expor a série de xilogravuras na seda da organização, em Nova York.

A exposição será inaugurada hoje, comemorando o 33o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada pelas Nações Unidas. “Em várias ocasiões – diz Roth – tive a oportunidade de ter em mãos o texto convencional da Declaração, que é um papelzinho mixuruca, ilegível. Percebi que, daquela forma, o texto jamais seria divulgado, daí a ideia de transformá-lo num trabalho gráfico de maior impacto”.

Foram dois anos de trabalho, mas valeu a pena – e isso não só em benefício do artista, mas principalmente dos protagonistas e consumidores da Declaração. A série foi publicada pela editora CJS Graphics, a mesma que edita os trabalhos de Milton Glaiser, o maior graphic designer vivo do século – e está vendendo bem. Pudera. O embaixador norte-americano, que havia visto a exposição na Suécia, foi quem o indicou ao editor da CJS, recomendando-o como uma espécie de sucessor de Ben Shan.

Shan tornou-se famoso com uma interpretação gráfica do julgamento de Sacco e Vanzetti, em 1927, e- coincidência ou não – 50 anos depois, quando Roth estudava na Hornsey College of Arts, em Londres, foi convidado pela Anistia Internacional para dar a sua versão da injustiça cometida contra os dois imigrantes italianos.

Como se vê, Otávio é decididamente engagée. Mas não enragée. Participou de todos os movimentos libertários na época negra da repressão, mas ainda consegue manter o doce sorriso dos justos. Suas obras, que nunca foram vistas em galerias luxuosas da cidade, são produzidas num modesto atelier atrás do TBC, ao som da musica barroca e renascentista, mas não há quem tenha lutado por uma sociedade mais justa, no Brasil, que não tenha, ao menos uma vez, deparado com as gravuras de Roth.

“Quando vou a uma galeria mostrar meus trabalhos, os marchands dizem que não são suficientemente plásticos”- costuma dizer. Que ironia: as obras de Roth já estiveram expostas, entre outros locais, no Informasjonssenteret de Oslo (1978), no Palais de Chaillot de Paris (1978) e na Automation House de Nova York, para só citar alguns deles.

Formado em Propaganda, o artista nunca exerceu a profissão. Preferiu partir para Londres, em 74, para estudar desenho animado com Paul Pitch.

“Antes de me dedicar às artes plásticas, era fotografo de período integral. Realizei, inclusive, várias exposições em São Paulo (bienais e salões), mas abandonei definitivamente a fotografia. Agora estou pesquisando novos tipos de papéis artesanais”.

Para isso, ganhou até uma bolsa do CNPq. O interesse por tipos de papel não industrializado surgiu quando Roth mudou-se de Londres para Oslo. “A Noruega não era exatamente o tipo de país com muitas opções para artistas gráficos; tinha de importar papel da França, e isso era bastante dispendioso. Resolvi pesquisar papel artesanal, e hoje desenvolvo várias linhas, a partir do algodão, linho, folhas de bananeira, juta, bambu e até casca de cebola”.

No próximo ano, o artista deverá expor os novos tipos de papel artesanal no Masp. Até lá, quem quiser conhecer mais detalhadamente o trabalho de Roth pode dar um pulo na Livraria Brasiliense e comprar (ou pedir para ver) as capas dos livros da coleção Primeiros Passos, algumas delas desenhadas por Otávio, o Rauscehmebrg da political graphics.

Antonio Gonçalves Filho, “ONU expõe xilos do brasileiro Roth”, Ilustrada, Folha de S. Paulo, (quinta-feira, 10/12/81).

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