O Centro de Informação para o Brasil da Organização das Nações Unidas (ONU) está promovendo uma exposição que já percorreu o Rio, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, esteve até o final do mês de julho em Porto Alegre (no Centro Municipal de Cultura, em promoção conjunta com a OAB/RS e SMEC) e agora continua roteiro até Recife e Salvador, para chegar em Brasília para a comemoração dos 36 anos de elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dia 10 de dezembro.
Utilizando o texto desse documento e uma pesquisa de símbolos universalmente compreensíveis, o artista plástico Otávio Roth realizou um trabalho que, em diversas versões, estás sempre ocupando algum local de exposição pelo mundo. Além de artista, Roth tem reputação internacional como especialista na difícil técnica da fabricação artesanal do papel, é membro da Associação Internacional dos Historiadores do Papel, da Basiléia (Suíça) e professor convidado do Center of the Book Arts de Nova Iorque. Foi como especialista em papel que Roth realizou um curso no Museu de Arte do Rio Grande do Sul.
Para Otávio Roth foi uma surpresa completa o primeiro contato com o texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Até então, quando se falava em direitos humanos, eu achava que aqueles conceitos eram uma espécie de bom senso inerente à consciência de cada um, que não tinha nada escrito e nem precisava ter. Afinal, quem não sabe que todo homem tem direito à alimentação? Bem, pensando bem, parece que muito governo, inclusive o nosso, não sabe...”.
O que fascina no documento, observa o artista, é que ele “pega a totalidade dos conceitos que definem um ser humano e aponta a verdadeira função do Estado. A Declaração está além do bem e do mal, cabe para a sustentação de qualquer ideologia política sem cair na armadilha de nenhuma delas. As ideologias sempre são menores que os direitos humanos”.
O encontro de Roth com o texto da Declaração Universal ocorreu em 1977, três anos depois de deixar o Brasil e descobrir na Inglaterra “um pulmão limpo para recomeçar a respirar liberdade”. Estudante de artes, ele fazia trabalho voluntário de comunicação visual para a Anistia Internacional, em Londres. “Sou pessoa de retaguarda, contribuo com aquilo que sei fazer”.\um trecho da Declaração serviu para ele ilustrar um cartaz para o Ano Internacional do Prisioneiro de Consciência. E, desde aí, “me veio a vontade de transformar aquele texto para uma forma mais fácil de divulgação, mais atraente graficamente”.
Concluída a graduação no Hornsey College of Art e a formação em gravura com o mestre Paul Pitch, Roth foi trabalhar em design na Noruega. E foi lá que, durante dois longos invernos escandinavos, ele cavou na madeira 32 matrizes para gravuras de grande formato (60 x 80cm). “Descobri que tinha encontrado afinal a solução visual para apresentar o assunto”, conta.
A pesquisa se concentrou na seleção de símbolos que pudessem ter uma leitura universal, uma espécie de esperanto gráfico. “Às vezes cometi erros involuntários. A gaiola, por exemplo, que ilustra a prisão arbitrária, é um objeto raro em países civilizados. Na Noruega, o artigo sobre o direito à livre associação pegou muito mal, porque os noruegueses estão compulsoriamente ligados a sindicatos e associações. Num país que se orgulha de jamais ter violado os direitos humanos, a situação foi no mínimo constrangedora”.
A série de xilogravuras foi mostrada em Oslo durante as comemorações do 30o aniversário do texto, em 1978, em uma grande exposição montada pela Anistia Internacional no prédio onde ocorre a festa do prêmio Nobel. “A exposição recebeu um publico enorme no dia da premiação, espécie de protesto contra o Nobel da Paz ter sido concedido naquele ano a Sadat e Begin”, lembra Roth. Essa mesma coleção de gravuras em madeira com texto em inglês foi exposta em Paris, depois de editada em Nova Iorque e distribuída internacionalmente por várias organizações de defesa dos direitos humanos.
De volta ao Brasil, Roth expõe suas xilos e ganha com elas o prêmio de melhor gravador do ano da Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 1981, o então secretario geral da ONU, Kurt Waldheim, oferece a sede da ONU para a exposição, que é aberta simultaneamente em Nova Iorque, Genebra e Viena. As xilogravuras de Roth, adquiridas pela ONU para seu acervo, agora fazem parte de uma mostra permanente nesses três locais. “De repente, a proposta de divulgar os direitos humanos começou a ter um desdobramento e uma aceitação independente de meu esforço. Sei que toquei um tema eterno, universal, que não vai caducar nunca”.
Depois das xilos, Roth fez uma versão para o português em que embutiu manchas de cor na própria constituição do papel, durante sua fabricação. E outra versão ainda, em aquarela e ideogramas, trabalho feito em conjunto com um mestre calígrafo japonês, a convite do governo de Tóquio. A série vai circular pelo Japão pelos próximos 15 anos, estando atualmente em Hiroshima.
“Hoje já não estou mais ligado a esses organismos internacionais, mas a ideia continua se desdobrando”, conta o artista. Agora ele prepara uma versão para as crianças brasileiras. O texto será adaptado para a linguagem infantil pela escritora Ruth Rocha.
Ilustrar e divulgar os direitos da pessoa humana pode contribuir para torna-los mais respeitados? Otávio Roth responde sem hesitação: “Sim, certamente. Há alguns anos atrás, antes de ter a vivencia que a Anistia Internacional me deu, eu era bastante cético sobre esses métodos que, no fundo, refletem bem a mentalidade do inglês. Na Inglaterra se acredita que a opinião publica move o mundo. Eles escrevem, por exemplo, milhares de cartas aos ditadores pedindo para libertarem presos político. E fazem isso com a maior civilidade, chamando Pinochet de excelentíssimo presidente. Levantam fundos de auxílio, organizam abaixo-assinados, dão apoio moral aos prisioneiros através de atos públicos...E conseguiram resultados com esses métodos, que passaram a ser adotados em todo mundo, especialmente aqui na nossa América Latina. A libertação de Flávia Schilling, por exemplo, é uma prova do que estou falando”.
Angélica de Moraes, “Roth: Os direitos humanos como arte”, agosto/84